Artigos - Postado em: 16/04/2018

A Averbação Pré-Executória da Lei 13.606/2018 e sua Inconstitucionalidade.

[:br]A Averbação Pré-Executória da Lei 13.606/2018 e sua Inconstitucionalidade.

RESUMO
Este artigo propõe uma breve análise acerca da possibilidade de bloqueio de bens, pela União, sem prévia autorização judicial, conforme artigo 20-B da Lei 10.522/2002, introduzido pela Lei nº 13.606/2018.
Palavras-chave – Direito Tributário. Bloqueio. Bens. Autorização Judicial. Ausência. União. Lei 13606.

1. Introdução
Com o advento da Lei 13.606/2018, em 10 de janeiro de 2018, a qual introduziu o artigo 20-B na Lei 10.522/2002, preconizou-se a possibilidade de bloqueio de bens pela União, sem que houvesse a necessidade de prévia autorização judicial para fazê-lo:

“Art. 20-B. Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados”

É, também, o que regulamenta a Portaria 33/2018 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que entrará em vigor em junho/2018:

“Art. 6º. Inscrito o débito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para:
I – em até 05 (cinco) dias:
a) efetuar o pagamento do valor do débito atualizado monetariamente, acrescido de juros, multas e demais encargos; ou
b) parcelar o valor integral do débito, nos termos da legislação em vigor.”

“Art. 7º. Esgotado o prazo e não adotada nenhuma das providências descritas no art. 6º, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá:
I – encaminhar a Certidão de Dívida Ativa para protesto extrajudicial por falta de pagamento, nos termos do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1997;
II – comunicar a inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres, mediante convênio firmado com as respectivas entidades;
III – averbar, inclusive por meio eletrônico, a Certidão de Dívida Ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, para fins de averbação pré-executória;”

Segundo o artigo 20-B da Lei 10.522/2002, após a inscrição em dívida ativa o devedor deverá ser notificado para pagar o débito em cinco dias, sob pena de, não o fazendo, sofrer averbação da certidão de dívida ativa, inclusive por meio eletrônico, sobre seus bens e direitos, os quais estarão sujeitos, portanto, à indisponibilidade, ao arresto e à penhora.

Verifica-se, pois, não se tratar de uma averbação cujo intuito seria a mera comunicação a terceiros acerca da existência da dívida, mas de verdadeiro ato de constrição, agora chamado de averbação pré-executória, visando a indisponibilidade de bens do devedor fiscal antes mesmo de ajuizada a Execução Fiscal em seu desfavor e em que pese inexistir decisão judicial prévia autorizando tal medida.

Nesta senda, necessário, pois, analisar o novo dispositivo legal sob a ótica constitucional, eis que, ao que se percebe, eivado de flagrante vício.

2. Da Inconstitucionalidade da Averbação Pré-Executória.
Inicialmente, insta lembrar que a garantia do crédito tributário é matéria reservada à Lei Complementar, conforme imposto pela Constituição Federal, senão vejamos:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
(…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
(…) b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;”
Trata-se, em verdade, de norma cujo intuito é imprimir um tratamento igualitário e uniforme dos créditos tributários em face dos entes federados brasileiros.

Nesta senda, tendo a Constituição Federal reservado à Lei Complementar o estabelecimento de normas gerais acerca do crédito tributário, dentre elas regras de constrição, regulamentação sobre certidões de dívida ativa ou priorização de um tipo de crédito sobre outro, não há que se falar em criação de nova modalidade de garantia do crédito tributário por meio de Lei Ordinária.

Não obstante isso, a introdução da dita averbação pré-executória não só afronta o artigo 146 da Constituição Federal, como encontra óbice nos Princípios da Isonomia, do Devido Processo Legal, do Contraditório, da Ampla Defesa e do Direito à Propriedade.

A Constituição Federal em seu artigo 5º prescreve:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…) XXII – é garantido o direito de propriedade;
(…) LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
(…) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

Note-se que, por certo, o artigo 5º da Constituição Federal, especialmente seus incisos LIV e LV, somente admite a interferência na propriedade privada, tal como nos casos de desconstituição de uma alienação por fraude ou de constrição de bens para garantia de uma dívida, após observado o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Entretanto, o que se percebe é que a dita averbação pré-executória, tal como posta, abrevia o rito da indisponibilidade de bens, por meio de uma escolha unilateral da Fazenda acerca do bem que sofrerá a restrição, sem antes oportunizar ao devedor (i) contestar a dívida (alegando pagamento prévio do débito ou divergindo do montante cobrado, por exemplo) ou (ii) indicar à penhora bens que lhe seriam menos onerosos.

Por outro lado, verifica-se que o referido dispositivo não só afronta à Constituição Federal e seus princípios, como também à Lei de Execuções Fiscais, que garante ao executado várias formas de garantir a dívida:
“Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:
I – efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;
II – oferecer fiança bancária ou seguro garantia;
III – nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou
IV – indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.”
Ressalte-se, ainda, que a averbação pré-executória vai de encontro, também, ao que prevê o artigo 185-A do Código Tributário Nacional (recepcionado pela Constituição Federal como Lei Complementar), o qual aduz que a indisponibilidade de bens do devedor fiscal se dará mediante a prolação de decisão judicial no curso de Execução Fiscal. Vejamos:
“Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.”

Por certo, o artigo 185-A do CTN perfaz norma objetiva e expressa, e sobre a qual não há margem interpretativa, exigindo, para a constrição de bens do devedor: (i) a existência de uma Execução Fiscal prévia; (ii) a citação do executado para pagar a dívida espontaneamente ou apresentar bens à penhora que a garantam; e, (iii) a prolação de decisão judicial prévia determinando a constrição de eventuais bens do devedor.

E não se alegue, tal como a argumentação defendida pelo Fisco, que o artigo 20-B da Lei 10.522/2002 seria uma complementação ao artigo 185 do CTN, especialmente quanto às fraudes à execução.

Isso, porque ao se verificar o inteiro teor do artigo 185 do CTN , em seu parágrafo único, resta claro que as disposições ali indicadas acerca da fraude à execução somente se aplicam ao devedor que não reservou bens ou renda suficientes para garantir a integralidade da dívida, distinção essa não indicada na norma da averbação pré-executória, que poderá ser aplicada de modo irrestrito.

Ademais, não se pode criar uma nova norma de bloqueio de bens fundada em uma presunção genérica de existência de fraude à execução e em absoluto detrimento de uma ampla e diversa gama de devedores, inclusive solventes. Tratar-se-ia não só de uma presunção extremamente temerária, como de ato absolutamente inconstitucional.
Repita-se que, tal como indicado acima, o artigo 5º, LIV e LV da CF cumulado com o próprio artigo 185 do CTN pressupõem, para decretação de fraude à execução, a existência do devido processo legal prévio. Só então será possível, sob tal argumentação, o bloqueio de bens.

Por outro lado, o próprio Supremo Tribunal Federal, em suas Súmulas 70 e 547, já estabeleceu o entendimento de que são ilegais a adoção de quaisquer medidas políticas que visem forçar o contribuinte a quitar o débito, tal como se pode verificar, entrelinhas, do artigo 20-B da Lei 10.522/2002.

E, em complementação a tal posicionamento, imperioso lembrar que o Superior Tribunal de Justiça também já firmou o entendimento de que a indisponibilidade de bens do devedor é medida extrema. E, por tal motivo, está vinculada à comprovação de exaurimento dos meios de busca de bens penhoráveis por parte do credor, não podendo, portanto, passar ao largo da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal:

“Súmula 560 do STJ – A decretação da indisponibilidade de bens e direitos, na forma do art. 185-A do CTN, pressupõe o exaurimento das diligências na busca por bens penhoráveis, o qual fica caracterizado quando infrutíferos o pedido de constrição sobre ativos financeiros e a expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado, ao Denatran ou Detran.”

De mais a mais, não bastasse a ilegalidade da averbação pré-executória, tal como indicada acima, e sua evidente afronta aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do direito à propriedade, é de se notar que a referida norma sequer prevê prazo para a liberação dos bens constritos.

Ou seja, estará o devedor não só sujeito à uma restrição unilateral de seus bens, como à mercê da distribuição de uma Execução Fiscal, pela Fazenda Nacional, para só então ter a oportunidade de discutir a legalidade da dívida e buscar o desfazimento da penhora ou arresto.

Em verdade, o que se verifica, por conseguinte, é que a referida norma concede à mesma autoridade responsável pela constituição do crédito tributário o poder de executá-lo, sem que haja a anuência, a autorização prévia e a fiscalização da correção da referida medida pelo poder judiciário.

E, ante tamanha ilegalidade, já se iniciou a prolação das primeiras decisões judiciais suspendendo a aplicabilidade do artigo 20-B, da Lei 10.522/2002, introduzido pela Lei 13.606/2018, conforme podemos notar da decisão proferida no bojo dos Autos do Mandado de Segurança nº 5001250-65.2018.4.03.6100, em trâmite perante a 21ª Vara Cível Federal de São Paulo.

“(…) Considerando a autonomia do Poder Judiciário, bem como a ilegalidade e incompatibilidade do artigo 20-B, § 3º, II da Lei 10.522/2002 com o ordenamento jurídico tributário, claro está que o ato administrativo que encontra-se na iminência de ser executado deverá ser afastado.
Portanto, resta clara a inconstitucionalidade do artigo da Lei 13.606/2018 atacado pela impetrante, diante de sua incompatibilidade com princípios e preceitos da Carta Magna. Verifico assim, no presente caso, presentes os requisitos para a concessão da medida liminar pleiteada. Presente o periculum in mora, uma vez que o não acolhimento do pleito liminar poderá ensejar em imediato prejuízo financeiro, expondo a impetrante a atos coativos, como a expropriação de seus bens, e outros.

Logo, sopesando-se o eventual dano à impetrante pela demora no processamento e julgamento do feito e o efetivo prejuízo à impetrada, tenho que cumpre ao Judiciário evitar o dano maior.
(…) Assim, DEFIRO o pedido liminar, para determinar à autoridade impetrada que não promova a ‘averbação pré-executória’, prevista no artigo 20-B, § 3º, II da Lei 10.522/2002 (…).”

Por outro lado, não se pode perder de vista, ainda, a possibilidade de agravamento da questão, com eventual aplicação conjunta da referida norma (Artigo 20-B da Lei 10.522/2002) com o que preconiza a Portaria PGFN 948/2017 que, em seu bojo, viabiliza a imputação de responsabilidade tributária a terceiros em decorrência da desconstituição irregular da pessoa jurídica.

3. Conclusão.
Do ante exposto, o que se pode concluir é que, ante à patente inconstitucionalidade do artigo 20-B da Lei 10.522/2002, e em persistindo a dita regra que introduziu a averbação pré-executória, o poder judiciário será inundado por Mandados de Segurança e Ações Ordinárias visando a suspensão da aplicabilidade da norma e a suspensão da exigibilidade crédito tributário.

De se destacar, ainda, que já há hoje, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, algumas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que questionam a legalidade do artigo 20-B da Lei 10.522/2002, introduzido pela Lei 16.608/2018, tais como, a ADI 5.881/DF, a ADI 5886/DF e a ADI 5890 / DF.

Estamos diante, portanto, de legislação claramente inconstitucional que, certamente, será afastada ao passar pelo crivo meritório do Supremo Tribunal Federal, posto que lhe cabe, como órgão responsável pela guarda da Constituição Federal, o aprimoramento da democracia e a preservação dos direitos de todos os cidadãos.

Luciana Dias Cruvinel é advogada com atuação em Direito Tributário.[:]

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