Consequências práticas da decisão do STF que autorizou a capitalização dos juros
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Como já amplamente divulgado pela imprensa nacional, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a validade da Medida Provisória (MP) n. 1.963/2000, que permite às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a capitalização mensal de juros com periodicidade inferior a um ano.
Ressalvado o impacto jurídico da decisão, como a liberação dos 13.584 [1] processos que estavam com tramitação suspensa e a segurança jurídica assegurada acerca do tema, não é possível afirmar quais serão os reflexos objetivos da manutenção da MP quanto à prática corrente no mercado para aplicação de juros. O que se sabe, é que o burburinho gerado pela discussão sobre a validade x invalidade do referido dispositivo reascende a reflexão sobre a real implicação da capitalização de juros na conjuntura econômica atual.
Em uma análise histórica da legislação brasileira, é possível observar que o nosso sistema jurídico permite, dentro de certos critérios, a capitalização de juros desde 1850, quando o então vigente Código Comercial dispôs sobre a cumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano. Posteriormente, o Código Civil de 1916 (art. 1.262) também previu, desde que estabelecido em cláusula expressa, a possibilidade de fixar juros capitalizados aos empréstimos, ainda que acima da taxa legal. Em 1933, o referido dispositivo foi parcialmente revogado pelo Decreto n. 22.626 (Lei de Usura), que permitiu a acumulação dos juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente, desde que em periodicidade anual[2] .
Mesmo não se tratando de matéria inédita, foi grande o alvoroço quando da reedição da MP 1.963 no ano 2000. Em meio aos debates quer cercaram o tema, defendia-se que a capitalização de juros seria um forte instrumento para a redução das taxas, já que na prática bancária, adota-se a inclusão de um valor adicional às taxas nominais para compensar a capitalização não cobrada[3] . Dessa forma, a vedação da capitalização promoveria um efeito de penalizar os tomadores de créditos adimplentes, já que seriam onerados pela majoração generalizada dos encargos de mútuo.
Na mesma linha de argumentação seguiu a Exposição de Motivos da referida Medida, elaborada pelo então Ministro da Fazenda Pedro Malan. Foi ressaltado pelo i. Ministro a necessidade de adequar o valor do spread bancário por meio da diminuição do risco das operações, o que seria viabilizado pela redução das taxas praticadas em decorrência da possibilidade de capitalização de juros[4] .
Em resumo, os debates ocorridos no início da década indicavam a expectativa de créditos mais baratos e acessíveis, em virtude da equalização do risco bancário pela possibilidade de aplicação de juros de mora acima do patamar legal.
Agora, em 2015, o que se observa, em uma análise informal sobre o assunto, é que a tendência prevista de redução da taxa de juros não se concretizou. Como apontou o Procurador-Chefe do Banco Central, Isaac Sidney Menezes Ferreira, a insegurança causada pela potencial invalidade da mencionada MP causou um efeito reverso, ou seja, “os bancos assinavam contratos com juros capitalizados e altíssimos — caso o Judiciário viesse a declarar o contrato ilegal, o preço dos juros compensaria o risco”[5] .
Conforme dados fornecidos pelo Banco Central e compilados na tabela abaixo, é possível inferir que a taxa média mensal praticada nos últimos 6 anos pelas instituições selecionadas ultrapassa em mais de 50% o patamar de juros legais estabelecido em 1%.
TABELA – TAXA MENSAL PRÉ-FIXADA PESSOA JURÍDICA[6]
Instituição Bancária | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 |
ITAU BBA S A | 1,63 | 1,07 | 1,31 | 1,14 | 0,93 | 2,29* |
CITIBANK S A | 1,68 | 1,04 | 1,27 | 1,4 | 1,03 | 1,38 |
CAIXA ECONOMICA FEDERAL | 1,79 | 1,54 | 1,73 | 1,98 | 1,52 | 1,67 |
SANTANDER S.A. | 1,91 | 2,02 | 2,16 | 2 | 1,55 | 1,86 |
BANCO DO BRASIL S A | 2,02 | 1,63 | 1,8 | 1,37 | 0,96 | 1,87 |
Média da Taxa de Juros | 1,80 | 1,46 | 1,65 | 1,57 | 1,19 | 1,81 |
*Dado referente ao Itaú Unibanco
Vale lembrar que a capitalização de juros para empréstimos na Europa é, em geral, praticada e usual, o que coexiste em perfeita harmonia com taxas de juros estabelecidas em patamares acessíveis e muito inferiores aos disponíveis no Brasil.
Em conclusão, o que realmente se espera é que a decisão acerca da validade da MP 1.963/2000 traga o efeito vislumbrado quando da sua reedição: o barateamento do crédito e aplicação de taxa de juros pelas instituições financeiras que fomentem o investimento e o aumento da capacidade produtiva do país.
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[1] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verJulgamentoDetalhe.asp?idConteudo=284801.
[2] BABILÔNIA, Paulo Álvares; BARBOSA, Theresa Karina F.G; FERREIRA, José Coelho. A capitalização de juros no nosso sistema jurídico. Revista Jurídica do Planalto, Brasília, vol. 2, n. 12, maio 2000. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_12/capit-juros.htm. Data de acesso: 25/02/2015.
[3] LOYOLA, G. A pior maneira de reduzir os juros. Estado de São Paulo, São Paulo, 23 abr. 2000. In.: A capitalização de juros no nosso sistema jurídico, Revista Jurídica do Planalto, Brasília, vol. 2, n. 12, maio 2000.
[4] ________. A capitalização de juros no nosso sistema jurídico. Revista Jurídica do Planalto, Brasília, vol. 2, n. 12, maio 2000. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_12/capit-juros.htm. Data de acesso: 25/02/2015.
[5] CANÁRIO, Pedro. Supremo autoriza capitalização de juros em empréstimos bancários. Conjur Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-fev-04/supremo-autoriza-capitalizacao-juros-emprestimos-bancarios.
[6] Tabela elaborada de acordo com os dados fornecidos pelo Banco central do Brasil. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/pt-br/sfn/infopban/txcred/txjuros/Paginas/Historico.aspx
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