Artigos - Postado em: 26/06/2017

O CPC/2015 e alguns reflexos na execução fiscal

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RESUMO

Este artigo propõe uma breve análise sobre a aplicabilidade das novas disposições do CPC/2015 (Lei 13.105/2015) à Execução Fiscal (Lei nº 6.830/1980), especialmente no tocante à contagem do prazo, em dias úteis, para oposição dos Embargos à Execução, a obrigatoriedade de existência de garantia nos autos e a necessidade de cautela até a pacificação jurisprudencial da interpretação do novo Códex processual.

Palavras-chave – Direito Tributário e Processual Civil. CPC/2015 e LEF. Prazo processual em dias úteis. Garantia.  Embargos à Execução Fiscal.

1. INTRODUÇÃO.

Desde bem antes da promulgação do novo Código de Processo Civil – CPC/2015 (Lei 13.105/2015), a comunidade jurídica já antevia alguns desafios acerca das inovações do Codex processual.

Particularmente no âmbito da militância tributária, alguns pontos ainda causam arrepio aos profissionais de direito, principalmente no tocante à especialidade da Execução Fiscal e os riscos a ela inerentes, pois há quem diga que algumas das inovações do CPC/2015 acabaram gerando algumas antinomias (ou lacunas de interpretação).

Por outro lado, a busca da simplificação na interpretação das regras do CPC/2015 foi um dos nortes de sua criação, aliada à ideia de tramitação dos feitos executivos de modo mais célere e eficaz, o que refletiria, ou pelo ao menos deveria refletir, diretamente na Execução Fiscal, já que a LEF (Lei nº 6.830/1980) determina em seu artigo 1º que o CPC deve lhe ser aplicado subsidiariamente:

“Art. 1º – A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.” (grifei).

Mas se a LEF trouxe logo em artigo 1º, esclarecimento expresso no tocante à aplicabilidade subsidiária do Código de Processo Civil, que dilemas o intérprete de direito enfrentaria?

Neste quadrante, apresentarei, na sequência, de forma simplificada, 2 (dois) exemplos de situações processuais sobre a aplicação do CPC/15 à Execução Fiscal que já se desenharam no cenário jurídico nacional, bem como suas perspectivas de solução.

2. A POSSIBILIDADE DE CONTAGEM DO PRAZO PARA OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO EM DIAS ÚTEIS.

O primeiro exemplo diz respeito  questão sobre os prazos correrem em dias úteis ou não, especificamente o prazo de 30 dias para os Embargos à Execução Fiscal previsto no art. 16[1] da LEF.

Dispõe o artigo 219 do CPC/2015, especificamente o seu parágrafo único, que somente os prazos processuais serão contados em dias úteis:

“Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais.” (grifei).

Em linhas gerais, prazos processuais são aqueles relacionados com a prática de um ato processual e que geralmente surgem no curso de determinado processo já instaurado (contestação, recurso, manifestações sobre provas, etc.), enquanto que os prazos materiais, não abarcados pela contagem em dias úteis, se relacionam a prazos prescricional, decadencial ou prazo para realizar algum pagamento, pois para serem praticados não dependem necessariamente da existência de um processo.

Nem sempre, contudo, a verificação de qual prazo será material ou processual, será simples de ser identificada, havendo divergência doutrinária quanto a matéria, inclusive no que se refere ao prazo para realização de pagamento, previsto no artigo 523 c/c artigo 513 do CPC/2015, o que demanda maior cuidado em sua interpretação

Com efeito, como a LEF é uma lei especial e o CPC/2015 (é uma lei geral) é posterior à LEF, ainda vigente, haveria antinomia de segundo grau, o que significa que a eventual solução de conflito entre as normas se daria mediante a utilização dos critérios da especialidade e/ou o cronológico.

A solução para a antinomia de segundo grau ainda não é unânime na doutrina, entretanto, podemos tomar como exemplo e norte, a interpretação conferida pelo C. STJ no julgamento do Resp. nº 1.137.354/RJ, em que se determinou que o critério cronológico prevaleceria sobre o critério da especialidade, já que naquele caso, as inovações trazidas pelo Código Civil/2002 (lei geral) eram mais benéficas à coletividade.

Explica-se. Com a entrada em vigor do CC/2002, o prazo prescricional das ações reparatórias sofreu redução de 05 (cinco) para 03 (três) anos (art. 206[2], parágrafo 3º, V). Surgiu então, questionamento em ações propostas em face da Fazenda, já que o art. 1º[3], do Decreto nº 20.910/32 (lei especial anterior), estabelece prazo prescricional quinquenal.

Na hipótese, prevaleceu o critério cronológico, no sentido de que a utilização do critério da especialidade para afastar a incidência do prazo prescricional previsto no Código Civil, iria contra o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado, já que a redução do prazo prescricional se tornaria mais benéfica ao interesse da coletividade.

O mesmo há de ser observado quando da análise da aplicação do CPC/2015 (lei geral) sobre a LEF (lei especial), particularmente no tocante às hipóteses em que se verifique a supremacia do interesse público sobre o privado. Antecipe-se desde já, que é isto que deve ocorre com a possibilidade de utilização da contagem de prazos processuais em dias úteis, no âmbito das execuções fiscais.

Não obstante, a verdade é que a LEF nada menciona sobre como se dará a contagem dos prazos processuais na execução fiscal, limitando-se a esclarecer que o CPC deverá ser aplicado de forma subsidiária, conforme mencionado anteriormente.

Uma vez silente a LEF em tal sentido, a aplicação do art. 219 do CPC/2015, no que se refere à contagem dos prazos processuais, torna-se plenamente cabível, afastando-se inclusive o debate sobre o melhor modo de solução de antinomia de segundo grau.

Tanto é verdade, que mesmo sendo o CPC/2015 relativamente recente, alguns tribunais já tiveram a oportunidade de se manifestar a respeito, a exemplo do TJ/MG, quando do julgamento da Apelação Cível nº 1.0016.16.007199-5/001, de Relatoria da Desembargadora Áurea Brasil, decidindo que:

Nos termos do art. 1º da Lei n. 6.830/80, às execuções aplicam-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Civil. O prazo de 30 dias para oposição embargos à execução fiscal previsto no art.16 da LEF deverá ser contado em dias úteis, na forma do art. 219 do CPC/2015” (grifei).

Vale lembrar que o artigo 183[4] do CPC/73 (substituído pelo artigo 224[5] do CPC/2015), o qual prescrevia que os prazos seriam contados excluindo o dia inicial e incluindo o dia do vencimento, já era comumente aplicado no âmbito das Execuções Fiscais, o que reforça a contagem dos prazos processuais em dias úteis, na forma do artigo 219 do CPC/2015.

Resta ao profissional de direito, contudo, observar o termo de início de contagem do prazo para a oposição dos Embargos à Execução Fiscal, já que poderá variar a depender do formato de garantia que será apresentado (depósito judicial, carta de fiança ou seguro, bens à penhora), na forma do artigo 9º da LEF[6].

3. A NECESSIDADE DE GARANTIR O JUÍZO PARA VIABILIZAR A OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO

E por falar em garantia à execução, passa-se a apresentar o segundo exemplo de situação processual que gera dúvida sobre a aplicação do CPC/15 à Execução Fiscal.

De fato, o CPC/2015 manteve em seu artigo 914, o disposto no artigo 736 do CPC/73 (o qual foi introduzido pela Lei nº 11.382/2006 já em verdadeira inovação à época…), no que se refere possibilidade de se debater o débito, por meio de Embargos, sem que tenha ocorrido a devida garantia do juízo.

No entanto, o mesmo não poderá acontecer quando da Execução Fiscal, pois ao contrário do que aconteceu com o silêncio da LEF a respeito da contagem de prazo processual, consta no § 1º[7] do artigo 16 de sobredito diploma especial expressa e clara disposição a respeito da condição de garantia do juízo, para o recebimento dos respectivos Embargos e, neste caso, “lei posterior não revoga lei especial anterior”.[8]

Embora a jurisprudência já tenha se manifestado a respeito do tema quando da vigência do CPC/73, merece destaque o seguinte julgado do Eg. TRF 1ª R., na AC 0004078-56.2016.4.01.3801/MG, de Relatoria do Desembargador Federal Hercules Fajoses, uma vez que analisou o mesmo conteúdo disposto no CPC/2015, inclusive no que se refere ao termo de início para contagem do prazo para oposição de Embargos à Execução Fiscal, confira-se:

 

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE PENHORA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INAPLICABILIDADE DO ART. 914 DO NOVO CPC.

  1. Não há nos autos nenhum documento que comprove que houve o oferecimento de garantia do Juízo correspondente ao valor executado, possibilitando oposição dos Embargos à Execução Fiscal.
  2. Considerando que o prazo para oferecimento de embargos à execução fiscal conta-se a partir da intimação pessoal da penhora, e que esta não foi efetivada, não há que se falar em legitimidade ou interesse processual na oposição dos presentes embargos à execução.
  3. O egrégio Superior Tribunal de Justiça, já firmou entendimento no sentido de que: “Quanto à prevalência do disposto no art. 736 do CPC – que permite ao devedor a oposição de Embargos, independentemente de penhora, sobre as disposições da Lei de Execução Fiscal, que determina a inadmissibilidade de Embargos do executado antes de garantida a execução -, tem-se que, em face do princípio da especialidade, no caso de conflito aparente de normas, as leis especiais sobrepõem-se às gerais (…). (AgRg no AREsp 621356/RJ, Rel. MINISTRO HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, DJe 06/04/2015).

(…)(AC 0004078-56.2016.4.01.3801 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HERCULES FAJOSES, SÉTIMA TURMA, e-DJF1 de 07/04/2017) (grifei).

Note-se que ao contrário do que aconteceu com a interpretação dada pelo C. STJ quando da análise da redução do prazo prescricional de ações reparatórias trazidas pelo CC/2002, aplicou-se o critério da especialidade, sobrepondo a lei especial (LEF) sobre a lei geral (CPC/2015).

  1. CONCLUSÃO.

Não são poucas as questões do CPC/2015 que ainda merecem cautela, reflexão e atenção do operador de direito, razão pela qual, enquanto não houver jurisprudência dominante/pacificadora sobre os temas, particularmente no tocante à sua aplicação subsidiaria àLei de Execução Fiscal, em havendo qualquer questionamento sobre os métodos de sua aplicação, há de se adotar a interpretação mais conservadora possível de modo a preservar o direito das partes envolvidas.

Com efeito, diante do que foi brevemente exposto no presente trabalho, existem fortes fundamentos jurídicos para lastrear a interpretação de que (i) os prazos processuais da execução fiscal devem ser contados em dias úteis, por aplicação subsidiária do artigo 219 do CPC/2015; e (ii) permanece a obrigatoriedade de garantia do juízo para viabilização da oposição dos embargos à execução, tendo em vista que a lei especial (LEF) disciplina especificamente a questão e deve ser privilegiada ante as disposições do CPC/2015.

 Verônica Cristina Moura Silva Mota é advogada com atuação em Direito Tributário no Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados

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REFERÊNCIAS:

  • ASSIS, Araken. Manual da Execução, 11ª ed. São Paulo: RT 2007, p. 1070.
  • WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2.015, p. 1.356.

[1] Art. 16 – O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados:

I – do depósito; II – da juntada da prova da fiança bancária; II – da juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia; III – da intimação da penhora.

[2] Art. 206. Prescreve: § 3o Em três anos: V – a pretensão de reparação civil;

[3]  Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

[4] Art. 183. Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provar que o não realizou por justa causa.

  • 1o Reputa-se justa causa o evento imprevisto, alheio à vontade da parte, e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.
  • 2o Verificada a justa causa o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que Ihe assinar.

[5] Art. 224.  Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.

  • 1o Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica.
  • 2o Considera-se como data de publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.
  • 3o A contagem do prazo terá início no primeiro dia útil que seguir ao da publicação.

[6] Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:

I – efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;

II – oferecer fiança bancária ou seguro garantia;

III – nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou

IV – indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.

[7] Art. 16 – O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados: (…)§ 1º – Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.

[8] ASSIS, Araken. Manual da Execução., 11ª ed. São Paulo: RT 2007, p. 1070

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